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Mitologia em Português

08 de Junho, 2014

A "Biblioteca Histórica" (I-VII) de Diodoro Sículo

Esta é uma obra magnânima, com o autor a admitir, desde o início, que o seu principal objectivo era o de construir uma história de toda a humanidade, desde a sua criação até aos dias em que o próprio autor escrevia as suas linhas. Seria, creio, uma obra preciosíssima, se nos tivesse chegado completa, mas, infelizmente, uma grande parte dos seus quarenta volumes estão perdidos, muitos deles existindo apenas em fragmentos citados por outros autores. No contexto deste espaço seriam especialmente importantes os primeiros sete volumes, que cobriam o espaço de tempo das origens até aos finais da Guerra de Tróia, mas só os primeiros cinco desses volumes nos chegaram completos.

 

O primeiro volume cobre a criação do sítio onde vivemos (presumo que aqui lhe possamos chamar "mundo", mais do que "cosmos", já que foi criado de uma separação da terra e água), e continua com a história dos primeiros homens, a criação dos deuses, e a divinização de humanos de especial importância. Apresentando, assim, o Egipto como essa primeira de todas as terras, o autor cobre muitas outras histórias a ele relativas, como a veneração dos vários animais, e a importância crucial do Nilo para esse povo.

 

O segundo volume foca-se nas histórias da Mesopotâmia, começando com a da famosa rainha Semíramis, e falando das muitas terras do Oriente. É dada alguma informação sobre os Caldeus e sua astrologia, mas a ênfase maior é nos muitos prodígios que existem nessas várias terras, tanto ao nível da natureza como dos costumes. São recontados, de forma muito sucinta, os mitos de Mémnon e de Pentesileia. Grande parte da informação aqui presente parece advir da Pérsica de Ctésias de Cnido, como o próprio autor nos diz, uma obra hoje perdida e em relação à qual se tem, neste volume, uma importante fonte de informação.

 

O terceiro volume continua o tema do anterior, agora com a história da antiga Etiópia, as civilizações e animais (ambos quase na sua totalidade lendários) das costas do Golfo Arábico, e da Líbia. É a essa última terra que são associados os mitos de outra civilização de Amazonas, das Górgonas (aqui vistas como uma mera civilização, em vez de criaturas mitológicas), e da criação na civilização dos Atlantes (não são, aqui, os mesmos mencionados por Platão, importa esclarecer!), em que muitos mitos se vão entrelaçando: mitos como os de Átis, Mársias, Atlas e Zeus (o do Olimpo é mostrado, numa das versões contadas pelo autor, como sendo distinto da figura do famoso túmulo de Creta). Em último lugar, é aqui que o autor começa por contar várias versões dos mitos relativos a Dioniso, por vezes visto como uma única figura, e outras como construída da união de várias - o filho de Amon e Amalteia; o nascido de Zeus e Io; o nascido de Zeus e Perséfone [usualmente, mas não aqui, chamado Zagreu]; e o nascido de Zeus e Sémele. São contadas as vinganças da figura face a inimigos como Penteu, Mirrano da Índia, Licurgo da Trácia, a divergência de opiniões sobre o local onde a figura nasceu, eventualmente citando evidências de uma obra, hoje perdida, de Dionísio Escitobráquio, e abordando as outras versões da mesma figura.

 

O quarto volume começa, também ele, com a continuação da história de Dioniso, agora seguindo a versão dos Gregos, a que se juntam os mitos de Sabázio, Príapo (aqui filho do deus e de Afrodite), Hermafrodito (deus nascido de Hermes e Afrodite, que visita os mortais pontualmente, tendo órgãos de ambos os sexos) e das Musas (em relação às quais é explicada a razão para o nome de cada uma delas). Depois, o autor conta todo o (longo) mito de Héracles, começando com os eventos que antecedem o nascimento do herói, e abordando, parece-me, toda e qualquer aventura que lhe possa ser atribuída, se bem que com algumas alterações relativas às versões mais comuns - por exemplo, Anteu não é referido como ganhando poder no contacto com a terra, não há qualquer menção a um prazo para limpeza do estábulo de Áugias (o herói desvia o rio, e limpa o estábulo num só dia, apenas para não conspurcar a sua glória limpando-o com as suas próprias mãos), o penúltimo trabalho (e não o último, como parece ser mais frequente) é que passa por recuperar Cérbero do reino de Hades, e o último deles é profundamente humanizado. É nesse mesmo relato que se encontra inserido uma versão muito simples do mito de Orfeu, bem como os mitos de Iolau e de Meleagro, e várias outras aventuras, sendo que todo o relato termina com o mito da adopção do herói por Hera, e o casamento com Hebe.

 

Em seguida, este mesmo volume aborda os mitos de Jasão e os Argonautas. Também aqui, o autor conta toda a história com alguma profundidade, dizendo, apenas para mencionar alguns elementos, que os vários heróis se juntaram ao empreendimento devido ao tamanho do barco (não o primeiro, mas o maior já visto até então), que o chefe escolhido para a expedição foi Héracles, e recontando mitos como os de Hesíone. Ao contar o mito de Fineu, o autor apresenta uma versão muitíssimo diferente das conhecidas em, por exemplo, o texto de Apolónio de Rodes, referindo aqui uma batalha contra o rei, ou uma versão em que os filhos deste eram cegados pelo pai. Porém, essa também é uma divergência que o autor explica logo a seguir, quando refere, por ele mesmo, uma divergência adicional ("alguns autores dizem que Héracles foi deixado para trás pelos Argonautas, quando foi buscar água"), e que justifica com a inconsistência dos relatos mais antigos. De facto, toda a história aqui contada é muito diferente das dos outros autores que abordaram o tema, o que me leva a insistir na importância da leitura desta obra por todos aqueles que estejam a estudar este tema, até pela impossibilidade de reproduzir a totalidade dessa (diferente) trama nestas linhas.

 

A esta história sucede-se, ainda nesse volume, a dos descendentes de Héracles, e a de Teseu, de quem é dito que pretendia imitar os Trabalhos de Héracles. É com essa base que começa por matar Corinetes (um poderoso inimigo que tinha uma maça, e com ela atacava quem passava na região), seguindo-se Sínis (que matava os inimigos prendendo-os entre dois pinheiros vergados, que posteriormente soltava), uma grande porca selvagem, Escíro (que empurrava as pessoas por um desfiladeiro, após estas lhe terem lavado os pés), Cercion (que lutava contra quem passava na região, e matava todos os que perdiam a luta) e Procrusto (que "convidava" os viajantes a deitarem-se numa cama, cortando os maiores e esticando os mais pequenos). Depois, o autor falava dos eventos com o Minotauro, a morte de Fedra e de Hipólito, e a tentativa de rapto por parte deste herói e de Piríto. Para terminar este volume, o autor fala, finalmente, dos mito dos Sete Contra Tebas, da batalha dos Epígonos, as histórias de Salmoneu e seus descendentes, os Centauros e os Lápitas, Esculápio e descendentes, Asopo, e várias outras figuras, tratadas todas elas de uma forma muito sucinta.

 

No quinto volume são abordadas histórias relativas a muitas das ilhas e povos do nosso continente, mas deve ser feita menção a um momento que, na segunda metade deste volume, explica os benefícios que figuras como Hades ou Deméter, então humanas, trouxeram à humanidade para, mais tarde, virem a ser considerados como parte de um panteão divino. Por exemplo, de Hefesto é dito que teria sido o descobridor de tudo o que é trabalhado com fogo, Ares teria sido o primeiro nas artes da guerra, e Apolo o descobridor da lira e das artes curativas.

 

O sexto volume já só existe em fragmentos, sendo difícil compreender qual seria o seu tema, mas tem pelo menos um momento que me pareceu interessante: os cavalos de Aquiles, Xantos e Bálios, são aí vistos como versões metamorfoseadas de antigos titãs, razão pela qual um deles era capaz de profetizar o futuro.

 

O sétimo volume, que também só existe em fragmentos, deveria tratar a Guerra de Tróia, mas nas linhas que nos chegaram é apenas abordada parte da história de Eneias - incluíndo um episódio onde lhe é dito que só pode levar uma posse ao fugir da cidade, e o herói escolhe levar o pai [às costas], e quando lhe é dito que pode levar mais uma, opta por levar os seus deuses, ganhando a admiração até dos seus opositores - e várias genealogias.

 

Como em muitas outras obras deste género, o período mítico parece terminar após a Guerra de Tróia, geralmente quando Odisseu retorna a casa (algo que não tem lugar nesta obra, ou pelo menos não nos fragmentos que nos chegaram), pelo que os volumes seguintes parecem continuar com a história de Roma, eventualmente focando-se num período histórico mais real. Até onde é que essa história contínua chegava é um pouco difícil de saber (além dos primeiros volumes, também só nos chegaram os volumes XI a XX), mas o fragmento mais tardio refere-se ao tempo da Conspiração de Catilina e de Cícero.

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