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Mitologia em Português

26 de Janeiro, 2021

"Gaticanea", a guerra de cães e gatos em Mafra

Existem alguns livros que, apesar do seu grande mérito, estão hoje muito esquecidos. A Gaticanea, um poema épico português de finais do século XVIII, é sem qualquer dúvida um deles. De facto, é uma criação quase intemporal, bem como provavelmente uma das criações mais divertidas que tivemos a oportunidade de ler nos últimos tempos. E passamos a explicar o porquê, depois de mostrarmos esta belíssima gravura do pináculo da obra, que tem lugar em frente ao Palácio Nacional de Mafra.

Gaticanea, o combate final em Mafra

A Gaticanea (ou Cruelissima guerra entre os cães, e os gatos, decidida em huma sanguinolenta batalha na grande praça da real villa de Mafra) tem uma trama jocosa e relativamente simples - um cão e um gato encontram-se numa cozinha, o gato ataca o cão e rouba-lhe um pedaço de alimento que lhe tinha sido dado. É tão simples quanto isto, e toda a história até poderia ter ficado por aí, não fosse o facto de o incidente ter aqui suscitado o princípio da maior batalha que a vila de Mafra já viu, com milhões de mortos entre os combatentes dos dois lados opositores. E não estamos a exagerar, o conflito torna-se assim tão violento, mas de uma forma em que a sátira e o gozo constantes, bem presentes ao longo de toda a obra, nunca são esquecidos. Damos um pequeno exemplo, de um instante em que o autor aborda a dificuldade de saber o género sexual de um cão ou um gato:

Pois há homens sem barbas, ou barbicas,
Que em língua portuguesa são maricas*,
E mulheres barbadas de maneira
Que barbas vender podem numa feira.
Nos gatos e nos cães do mesmo modo
Se pode equivocar o mundo todo.

Parece ao longe um corço uma gazela,
Ao perto um cão parece uma cadela.
Parece a gata gato, o gato gata
Nas peles, e também se se retrata;
E pelos miaus, ou logo de repente,
Ninguém distingue o sexo desta gente.

Ao longo dos quatro cantos que precedem esse grande momento da guerra, e de mais de uma centena de páginas que compõem esta Gaticanea, ambos os lados do conflito viajam por todo o mundo em busca de novos combatentes, antes de se reunirem para o confronto final no derradeiro canto, com um desfecho inesperado. Entretanto, vão sendo satirizados diversas convenções da poesia épica - lá surge um interesse amoroso a um cão, um dos heróis é relembrado do seu dever em sonhos, são recrutados diversos combatentes invulgares, os deuses greco-romanos têm até um pequeno papel na aventura, e outras tantas coisas que tais.

 

Mas é provável que este breve resumo não faça uma verdadeira justiça à Gaticanea, a guerra de cães e gatos em Mafra. É um poema francamente divertido, que não podemos deixar de recomendar a todos aqueles que leiam estas linhas. Na verdade, só pecava por ainda não existir numa edição barata acessível aos nossos dias; assim, decidimos copiar a nossa cópia do século XVIII no scanner, e agora quem assim o desejar poderá comprar uma versão muito barata desta obra, mesmo em formato físico, na Amazon, a menos de 5€ (mais portes de envio), mas a versão de Kindle poderá não funcionar bem em dispositivos mais pequenos, como telemóveis. Se alguém decidir ler este poema, fica a nossa recomendação pessoal, até porque não nos daríamos ao trabalho de criar esta edição na Amazon se não acreditassemos verdadeiramente que a obra merece ser lida!

 

 

*- É digna de nota, esta breve referência à evolução e origem da palavra maricas. Se, como referido no poema, ela anteriormente designava apenas um homem que não tinha barba, ao longo do tempo esse sentido parece ter-se alargado para se referir a um homem efeminado - denotando aquela velha ideia dos "homens de barba rija" - e, eventualmente, até a um homossexual. Eram outros tempos...

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